Ao comparar os dados da concentração de línguas nos continentes na atividade anterior, você deve ter percebido que a distribuição das línguas não é uniforme, ou seja, algumas regiões são mais ricas na quantidade de línguas que outras. Observe na tabela abaixo que a África e Ásia possuem o dobro de línguas que a América e dez vezes mais línguas que a Europa.
Ásia - 2314 línguas
África - 2158 línguas
Pacifico - 1324 línguas
América - 1064 línguas
Europa - 291 línguas
(Fonte: Ethnologue, 18 de fevereiro de 2023)
À primeira vista, poderíamos hipotetizar que o tamanho da população seja o fator que determina a diversidade linguística visto que a Ásia é o continente com a maior quantidade de línguas e é também o continente com os países com as maiores populações. Se listarmos os continentes pelos tamanhos de suas populações, como na tabela abaixo, essa proposta pode até parecer fazer sentido visto que os dois continentes com a maior quantidade de línguas - Ásia e África - são respectivamente os dois continentes com as maiores populações.
Ásia - 4 bilhões e 554 milhões de habitantes
África - 1 bilhão e 310 milhões de habitantes
América - 1 bilhão e 13 milhões de habitantes
Europa - 747 milhões de habitantes
Pacifico - 42 milhões
(Fonte: Ethnologue, 18 de fevereiro de 2023)
No entanto, essa proposta cai por terra quando examinamos as populações das demais regiões. A Austrália e as ilhas do Pacífico, por exemplo, é a região menos populosa, possuindo uma população 17 vezes menor que a da Europa, mas possui um número de línguas 4 vezes maior. Quando comparada com a América, a região do Pácifico possui uma população 24 vezes menor, mas uma quantidade maior de línguas. Sendo assim, a população não parece ser o fator que determina a quantidade de línguas.
A língua é um dos traços que define a cultura de um povo (junto com religião, arquitetura, culinária etc.), sendo assim, quando uma região possui uma diversidade de povos com diferentes culturas, isso pode acarretar em uma diversidade linguística. Um exemplo disso é a região de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, que é conhecida pela sua diversidade linguística. Nessa região se falam 20 línguas indígenas. Podemos atribuir essa diversidade linguística à diversidade de povos que habitam a região, uma vez que São Gabriel da Cachoeira possui 23 povos indígenas.
No entanto, a diversidade cultural não implica necessariamente em uma riqueza linguística. A América Latina é um exemplo disso, pois há vários países com culturas próprias (México, Venezuela, Argentina, etc), mas cujas populações falam em sua maioria a mesma língua: o espanhol. No entanto, essa uniformidade linguística não é algo natural, mas algo que foi imposto. Durante a colonização, a Espanha decretou que os habitantes de suas colônias deveriam abandonar as línguas indígenas e utilizar apenas o Espanhol, ou seja, houve uma imposição da língua espanhola para os falantes das colônias.
Houve um decreto semelhante em nossas terras. Aqui, durante muito tempo, a maior parte da população falava línguas indígenas enquanto que o português era uma língua minoritária. Era comum até famílias portuguesas aprenderem a falar a língua geral (uma língua de base indígena que era usada como língua franca em nosso território nos primeiros séculos de colonização). No entanto, em 1758, o Marquês de Pombal proibiu o ensino e o uso da Língua Geral e declarou o Português como a única língua do Brasil. Sendo assim, o monolinguismo na América Latina foi um projeto dos países colonizadores.
Da mesma forma que tem o potencial para dizimar as línguas, as leis também podem atuar ajudando a preservar línguas. Por exemplo, as Diretrizes para a política nacional de educação escolar indígena, de 1993, estabelecem os direitos dos povos indígenas do Brasil de receberem educação em sua língua materna, como pode ser observado abaixo:
Cada povo tem o direito constitucional de utilizar sua língua materna indígena na escola, isto é, no processo educativo oral e escrito, de todos os conteúdos curriculares, assim como no desenvolvimento e reelaboração dinâmica do conhecimento de sua língua.
(Diretrizes para a política nacional de educação escolar indígena, 1993, p. 11)
Outra lei que podemos citar são as leis que tornam línguas indígenas como línguas oficiais de determinada região de modo a garantir que as populações dessa região possuam atendimento em suas línguas nativos. Por exemplo, o município de São Gabriel da Cachoeira possui três línguas indígenas que foram oficializadas pela Lei n. 145 de 11 de dezembro de 2002. Essas leis são dispositivos legais importantes, pois possibilitam mais espaços nos quais as línguas podem ser utilizadas e reconhecidas, contribuindo assim para a sua preservação.
Dessa forma, qualquer atividade humana que diminua a diversidade dos povos terá como consequência a diminuição da diversidade linguística. Por exemplo, é muito provável que a América possuía tantas línguas quanto a Ásia ou a África. No entanto, a colonização que ocorreu em nosso continente dizimou populações indígenas e, conforme essas populações desapareceram, desapareceram também as línguas que elas falavam. Atualmente, o número de línguas indígenas faladas no Brasil é de aproximadamente 160 línguas. O linguista Aryon Rodrigues indica que desde a chegada dos portugueses no Brasil, perdemos 75% das nossas línguas, ou seja, estima-se que no território conhecido hoje como Brasil eram faladas cerca de 640 línguas (recomendamos a leitura do texto Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas de Aryon Rodrigues).
Em contrapartida, a preservação da diversidade dos povos contribui para a diversidade linguística. A floresta Amazônica, por exemplo, abriga uma grande diversidade de povos e línguas indígenas. O linguista Salikoko Mufwene indica que isso provavelmente ocorreu, pois a floresta ofereceu resistência para o avanço dos colonizadores permitindo que as populações indígenas dessas regiões vivessem por mais tempo afastadas de colonizadores, preservando a sua cultura, estilo de vida e, consequentemente, a sua língua por mais tempo.