A estrutura sintática predominante no português brasileiro é SVO. É por isso que, quando queremos dizer que Os romanos mataram os inimigos na luta, colocamos “os romanos” antes de “mataram”; já quando queremos dizer que, na realidade, Os inimigos mataram os romanos na luta, colocamos “os inimigos” antes desse verbo.
A posição do termo na oração é muito relevante para o nosso português (entre outras línguas neolatinas, como o francês e o espanhol, por exemplo), porque as flexões das palavras não indicam a função sintática dessas palavras. Por isso, outro recurso deve ser utilizado para indicar o significado dessas palavras e/ou suas relações com outras na oração: a posição (mais rígida).
Perceba agora a diferença entre dizer Os romanos mataram os inimigos na luta, em português, e dizer essa mesma sentença no latim clássico:
Forma 1: Romāni necauērunt inimīcos pugnā
(sujeito + verbo + objeto direto + adjunto adverbial)
Forma 2: Romāni inimīcos pugnā necauērunt
(sujeito + objeto direto + adjunto adverbial + verbo)
Forma 3: Pugnā inimīcos Romāni necauērunt
(adjunto adverbial + objeto direto + sujeito + verbo)
Forma 4: Inimīcos pugnā necauērunt Romāni
(objeto direto + adjunto adverbial + verbo + sujeito)
Forma 5: Necauērunt pugnā Romāni inimīcos
(verbo + adjunto adverbial + sujeito + objeto direto) etc.
Observe como, no latim clássico, a posição dos constituintes na oração é livre, diferentemente do que vimos para o português. Na língua latina clássica, independente de quem veio primeiro na sentença (o sujeito, ou o verbo, ou o objeto ou o adjunto), as sentenças estão perfeitas do ponto de vista sintático e significam a mesma coisa: quem matou os inimigos na luta foram os romanos - e não o contrário.
Aqui, vale abrir um parênteses para explicar a diferença entre latim clássico e latim vulgar. O primeiro refere-se à língua literária usada em grandes obras, ou seja, diz respeito à modalidade escrita usada pelos letrados. Por sua vez, o latim vulgar corresponde à língua falada pelo povo. Essa que gerou as línguas neolatinas (como o francês, italiano, espanhol e o próprio português) de hoje. Essa distinção é importante, porque estamos, por ora, analisando sentenças do latim clássico.
Bom, retomemos à multiplicidade de estruturas sintáticas do latim clássico discutida acima. Ela é possível porque o latim clássico é uma língua com bastante morfologia flexional e essa morfologia permite a identificação da função sintática das palavras. Isso fica mais evidente quando, no latim, colocamos “os inimigos” como sujeito da oração e “os romanos” como objeto. Observe:
Inimīci necauērunt romānos pugnā.
(sujeito + verbo + objeto direto + adjunto adverbial)
Bem como quando “os romanos” era o sujeito, os termos da oração acima podem ser rearranjados de muitas formas diferentes sem prejuízo sintático nem semântico.
Compare as orações já lidas acima:
Romāni necauērunt inimīcos pugnā.
(sujeito + verbo + objeto direto + adjunto adverbial)
Inimīci necauērunt romānos pugnā.
(sujeito + verbo + objeto direto + adjunto adverbial)
Percebemos que a flexão dos substantivos “romanos” e “inimigos” é que dita se essas palavras são sujeito ou objeto da oração. Quando aparecem com o morfema ‘-os’, como em romānos e inimīcos, tanto “romanos” quanto “inimigos” são objeto direto; por outro lado, quando flexionados com ‘-i’, como em Romāni e Inimīci, esses substantivos assumem a função de sujeito da sua oração.
Vale salientar que os morfemas ‘-os’ e ‘-i’ acumulam significados: indicam a função sintática + o gênero + o número do substantivo. Observe:


Exemplos retirados de FURLAN, M.; NUNES, Z. G.; COELHO, F. Língua latina I. Florianópolis: LLV/CCE;/2ª ed. 2012.
Até agora, utilizamos a nomenclatura “função sintática” para nos referirmos ao papel dos termos dentro da oração. Contudo, quando estamos falando de línguas como o latim, outra nomenclatura é usada: “caso”. De modo bastante resumido, veja a correspondência entre os seis casos do latim e as funções sintáticas do português:
Nominativo = sujeito ou predicativo do sujeito;
Vocativo = vocativo;
Acusativo = objeto direto;
Genitivo = adjunto adnominal;
Dativo = objeto indireto ou complemento nominal ;
Ablativo = adjunto adverbial
A título de curiosidade, observe a declinação da palavra “lobo” em latim clássico a seguir. Declinação, neste caso, funciona como uma “conjugação”, mas não do verbo, e sim do substantivo, neste caso, e do adjetivo, em outros casos. Além disso, “declinação” diz respeito também a um dos cinco grandes grupos de substantivos e adjetivos do latim que compartilham características gramaticais.
Tabela 1: declinação da palavra “lobo” em latim.
Mas, se o português originou-se do latim, por que essas línguas se diferenciam tanto, do ponto de vista sintático?
Bem, ao longo dos anos e da sua “mutação” para outras línguas, o latim clássico foi perdendo as desinências de caso, ou seja, aquilo que indicava o caso/função sintática de uma palavra foi sendo perdido. Agora, imagine a confusão de ter várias palavras, sem nenhum indicativo de sua função sintática, espalhadas livremente por uma oração. Ou melhor, nem imagine; veja:
Os romanos os inimigos na luta mataram.
Quem fez o que na oração acima? Quem matou? Quem foi morto? Não sabemos, porque, no português, não há flexões de caso. Nossa saída foi fixar a posição de cada componente da oração para saber sua função sintática:
Os romanos mataram os inimigos na luta.
Os inimigos mataram os romanos na luta.
(sujeito + verbo + objeto (+ adjunto adverbial))
Pois bem! No latim clássico, o caso evitava o caos. No nosso português, quem faz isso é a posição dos termos na oração.
