top of page

As normativas, como o nome sugere, descrevem a língua ditando regras que, muitas vezes, fogem do real uso da língua pelos(as) falantes. Que brasileiro(a) diz “enviar-te-ei” quando o verbo está no futuro do presente acompanhado de um pronome oblíquo, sem soar pedante e forçado(a)? Ou quem ainda usa os pronomes “vós” e “lhe”? Para essas gramáticas, produções linguísticas como “umas blusinhas linda” são tidas como “erradas”, “incorretas”, “corrupções da língua”. O “correto”, segundo essas gramáticas, é dizer “umas blusinhas lindas”.

 

Por outro lado, temos as gramáticas descritivas. Estas preocupam-se em descrever o mais objetivamente possível todos os fenômenos linguísticos. Falar que algo é “incorreto” ou “feio” não é nada objetivo, convenhamos. Por isso, outras nomenclaturas são usadas. Segundo essas gramáticas, quando a concordância nominal se faz pela marcação de plural em todas as palavras do sintagma (como em "umas blusinhas lindas"), ocorre a concordância nominal padrão. Já quando essa concordância está na ideia de todo o sintagma, mesmo que a marca morfológica de plural esteja em somente alguns elementos dele (como em "umas blusinhas linda" ou ainda "umas blusinha linda"), ocorre a concordância nominal não padrão. Vale dizer que essas gramáticas fazem parte da ciência da linguagem, a linguística.

 

Para as gramáticas descritivas, a concordância nominal padrão segue as regras da norma padrão, estipuladas pelas gramáticas normativas. Por outro lado, a não padrão tende a não seguir tais regras e, consequentemente, é associada à fala de determinados grupos de falantes socialmente desprestigiados(as), mesmo que ela ocorra também na produção linguística de falantes prestigiados(as), isto é, mais escolarizados(as) e de classe social mais alta, quando estes(as) estão inseridos(as) num contexto comunicativo menos formal e mais espontâneo (uma conversa em um bar com os(as) amigos(as), por exemplo). A questão do contexto comunicativo será discutida com mais detalhes adiante.

 

Dessa forma, as gramáticas descritivas entendem que, independente da marca morfológica de plural vir apenas no primeiro ou em todos os elementos do sintagma nominal, a concordância ocorre. Essa visão não exclui nem diminui nenhuma produção linguística nem quem a produz. Nesse sentido, o que as gramáticas normativas entendem como "erro", as gramáticas descritivas entendem como concordância não padrão. Desse modo, as normativas julgam as produções linguísticas das pessoas (e as próprias pessoas), enquanto as descritivas descrevem cientificamente os fenômenos da língua, de modo a se distanciar ao máximo de julgamentos de valor.

 

Julgamentos de valor não são nada científicos. Imagine que um(a) biólogo(a), ao analisar duas células, dissesse algo como “o neurônio é uma célula errada e feia, em comparação à hemácia, por não ser oval”. Isso não faz sentido nenhum do ponto de vista científico. Neurônios e hemácias são células por vários motivos e o formato delas é apenas mais uma característica que deve ser descrita objetivamente para se fazer ciência. O mesmo vale para as diferentes produções linguísticas.

 

Analisar objetivamente todas as produções linguísticas (sejam elas da fala ou da escrita), sem tecer julgamentos de valor sobre elas, é muito mais do que fazer ciência com a língua; é ser mais democrático(a) e tolerante. É incluir não somente diferentes formas linguísticas, mas as pessoas que as produzem - pessoas estas que, por muitas vezes, já são socialmente excluídas. Sendo assim, as gramáticas descritivas combatem o preconceito linguístico.

 

O preconceito linguístico é um tratamento intolerante e hostil  que tenta inferiorizar as pessoas que usam variedades do português brasileiro menos prestigiadas socialmente. Dessa forma, apesar do nome ser preconceito linguístico, esse é um preconceito social, pois uma fala como “as blusinha linda” é julgada com base no contexto social do(a) falante que a produziu (sua cor, sua classe socioeconômica e seu nível de escolaridade, por exemplo). 

Texto de Luiz Fernando Ferreira e Maria Eugênia Martins Barcellos
Setembro de 2022

As diferentes gramáticas

  • Instagram
  • Facebook
  • Linkedin
  • Youtube
bottom of page